Veterinários prescrevem óleo de cânabis para tratamento de animais doentes

Embora não seja regulamentado no Brasil, o tratamento tem garantido qualidade de vida para muitos cachorros e gatos

O óleo da cânabis tem sido prescrito por médicos veterinários brasileiros para tratar problemas de saúde diagnosticados nos animais. Embora não seja regulamentado no Brasil, o tratamento tem garantido qualidade de vida para muitos cachorros e gatos.

Em março, uma resolução da Anvisa restringiu a prescrição da substância a profissionais “habilitados pelo Conselho Federal de Medicina”. No entanto, como o estatuto dos médicos veterinários permite que eles realizem os tratamentos que considerarem eficazes, é possível prescrever o óleo aos animais.

De acordo com o veterinário Rafael Traldi, “a cânabis tem uma utilização não regulamentada, o que não a permite mas também não a proíbe. É um limbo”.

O professor Erik Amazonas lembrou ainda que, “na falta de proibição, o veterinário não tem previsão legal para ser penalizado pela prescrição”. No entanto, o docente responsável por criar a primeira disciplina de endocanabiologia em um curso de graduação de veterinária na UFSC reforçou que os veterinários não podem vender o óleo. “Se eu pegar o óleo e der para o tutor, a lei considera que é tráfico”, disse ao portal Cânabis & Saúde.

No Brasil, há um único curso sobre canabinologia na veterinária, ministrado por Fábio Mercante de San Juan, pioneiro no estudo sobre o tema e conhecido como “Dr. Pet Cannabis”. Em um ano, 430 alunos foram formados por ele, sendo que 300 prescrevem a substância atualmente.

“A ideia surgiu porque eu não conseguia mais atender todos os pacientes que chegavam. Pensei: tenho que ensinar mais veterinários porque, em vez de o Brasil ter 500 pacientes animais fazendo terapia com cânabis, vão ser milhares, e assim que mais veterinários começarem a prescrever nós conseguiremos uma regulamentação. Como em tudo, primeiro vem a demanda; depois, as leis”, afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo.

“Estamos em contato com diversas pessoas, políticos, membros do Mapa, dos CRMV de diversos estados, e o que a gente espera é que em 2021 venha uma regulamentação”, disse. “Os resultados são incontestáveis, e temos tudo documentado. A terapia canábica nos animais veio para ficar”, completou.

Órgão regulador da profissão de medicina veterinária, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) afirmou que realizou reuniões com a Anvisa neste ano e que integrou uma audiência pública na Câmara dos Deputados e um evento que trataram do uso terapêutico da cânabis em animais. “O próximo passo será a construção do ato normativo específico”, disse.

O CFMV considera que o uso da cânabis em humanos foi submetido a etapas “que ainda não estão consolidadas na medicina veterinária”.

“Para tanto, o envolvimento dos pesquisadores e da indústria, no sentido de comprovar de forma robusta a segurança e eficácia do tratamento em animais, é fundamental para que se obtenha a autorização dos órgãos competentes, o que é natural para qualquer tipo de substância e com exigências específicas quando possuem princípios psicoativos”, afirmou em nota Fernando Zacchi, médico veterinário e assessor técnico do CFMV.

“O CFMV, na sua função de servir como órgão de consulta dos governos em todos os assuntos relativos à profissão de médico-veterinário, está à disposição para auxiliar o Ministério da Saúde/Anvisa e o Mapa na discussão e na normatização. Quanto à fiscalização, atuamos em casos concretos, sendo o CFMV tribunal de ética em grau de recurso (segunda e última instância)”, acrescentou.

Em relação às contraindicações, podem ser citadas a hipersensibilidade a componentes e a miocardiopatia dilatada. “Estou prescrevendo para praticamente todos os pacientes com patologias”, disse à Folha a veterinária Lia Nasi.

“A pessoa tem que saber o que está prescrevendo, e você não pode sair comprando óleo a rodo. É um medicamento como outro. Você tem que saber a procedência do óleo, a porcentagem que vai usar de acordo com a patologia. Administrar da forma errada, ou a concentração errada, pode dar problema”, completou.

Casos de animais que se beneficiaram do uso da substância não faltam. Loki é um deles. Arredio e agressivo, o gato se mantinha escondido, isolado, lambendo compulsivamente o rabo. Após ser diagnosticado com hiperestesia felina, distúrbio que pode levar à automutilação por conta de uma hipersensibilidade da pele, ele iniciou tratamento com óleo de cânabis e corticoide Predsim (prednisolona) em gotas.

De acordo com a tutora, Camila Roque Alves, 30 anos, de São Paulo, o gato voltou a comer sozinho em dois dias. “No começo fiquei na dúvida, será o Predsim ou será o óleo? Mas fomos reduzindo até ficar só com o óleo. E hoje ele está melhor do que antes da hiperestesia”, contou.

“Ele dorme na cama com a gente, coisa que nunca tinha feito antes. Vai lá fora tomar o solzinho dele, não fica mais escondido. Conseguimos pegar ele no colo, o que nem antes da hiperestesia ele deixava”, acrescentou.

Braddock, um cachorro de 11 meses de idade, também está sendo tratado com o óleo. Após ter a primeira crise de epilepsia aos 60 dias, ele vivia dormindo, sem forças para caminhar e com machucados pelo corpo por conta das quedas que sofria. Após meses tomando medicações que não impediam as dezenas de convulsões diárias, ele iniciou o tratamento com cânabis.

De acordo com Joyce Armelin, de 28 anos, o resultado do tratamento tem sido positivo. “Hoje, depois de só um mês de tratamento e acompanhamento, ele parece outro. Acorda cedo, come bem, brinca, adora ‘dar um rolê’. Ainda tem algumas crises, temos um longo tratamento pela frente. Mas a diferença é visível”, revelou a tutora, que mora em Limeira, no interior de São Paulo.

 

 

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